As denúncias contra o clube são gravíssimas. A Polícia e o STJD, a Comissão de Exploração do Trabalho Adolescente investigam. O clube deve R$ 500 milhões
Entre as pesadas acusações contra o Cruzeiro, houve uma que mais chocou. Provocou estranheza. Um insignificante empréstimo de R$ 2 milhões. Insignificante diante da bilionária possibilidade cruzeirense. Pois bem, como garantia dessa transação com o empresário Cristiano Richard, que teria cedido o dinheiro ao clube, ganhou como garantia porcentagem dos direitos de dez atletas.
A ilegalidade já começa por aí. A Fifa proíbe desde maio de 2015 que pessoas físicas possuam direitos de atletas. Apenas clubes têm esse direito. Só que a situação revelada é ainda mais chocante. Entre os dez atletas está Estevão Willian. Dele, 20% foram dados em garantia ao empresário.
Um menino de 12 anos, que já é conhecido pelos especialistas nas categorias de base. Seu talento com a perna esquerda é tanto que carrega o apelido de Messinho. Joga como meia. O potencial mereceu até a assinatura de contrato com a Nike. É o atleta mais jovem do Brasil a ter essa deferência.
Nem Neymar, Ronaldinho Gaúcho ou Ronaldo Fenômeno fecharam acordo comercial tão novos. A legislação esportiva brasileira é absolutamente clara. Está no artigo 29 da Lei Pelé. "A entidade de prática desportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho desportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 5 anos.
O atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes."
Antes de 16 anos não é reconhecido vínculo com clube algum. E mais: o Código Civil estabelece: que não existe contrato entre duas partes quando o objeto ilícito, impossível ou indeterminável. Se não há vínculo, não há como ser reconhecido qualquer contrato entre Messinho e o Cruzeiro. Encurralado diante das evidências, o vice do Cruzeiro, Itair Machado teve a coragem de dizer, com todas as letras, na lastimável entrevista coletiva de ontem. "Enquanto ele (Messinho) estiver no Cruzeiro ele é nosso, com ou sem contrato."
Com ou sem contrato?
É um absurdo. A Comissão de Aprendizagem da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) já foi avisada da condição de Messinho. Os pais de Estevão Willian estão assustados com a repercussão nacional da situação de seu filho. E tratam de evitar entrevistas.
A direção do Cruzeiro tentou contornar o caso criando um novo documento, exibido ontem, que anularia a garantia dada sobre os dez atletas ao empresário Cristiano Richard. Houve um "termo de retificação sobre o contrato de mútuo", anulado a garantia de 20% dos dez atletas ao empresário. O documento foi feito ontem, dia da coletiva, 24 horas de a situação ter sido exposta pela TV Globo.
Nas denúncias havia também algo impressionante. O lançamento no balanço de 2018 a venda do uruguaio Arrascaeta por R$ 63,7 milhões. Só que a transação com o Flamengo aconteceu em janeiro de 2019. O Cruzeiro pode ser gravemente punido pela CBF, representante da Fifa no país. A começar por ceder o direito de atletas a um empresário. Foi ferido, de maneira evidente, o Estatuto de Transferências da Fifa, que não permite o repasse dos direitos econômicos de um atleta a uma pessoa.
A punição pode chegar ao rebaixamento no Brasileiro. E não disputar as principais competições sul-americanas, como Libertadores e Copa Sul-Americana. Isso dependendo da profundidade e seriedade com que as denúncias sejam apuradas. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) garantiu está analisando o caso e se houve violação ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva e ao Código Disciplinar da FIFA.
O Cruzeiro é um dos grandes clubes não só do Brasil, mas da América Latina. Tem cerca de dez milhões de torcedores. Conta com enorme força, representatividade entre os políticos da Bancada da Bola, em Brasília. E mesmo na CBF. Não é fácil punir uma instituição tão respeitada. O clube vive gravíssima crise financeira. Deve mais de R$ 500 milhões. E agora comete erros administrativos tão incompreensíveis quanto graves.
O caso chegou até à Polícia Civil de Minas Gerais. Ela instaurou inquérito para apurar denúncias sobre falsificação de documento particular, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Fonte: R7