Teixeira de Freitas: Toda semana teremos um bate papo, com pessoas que queiram discutir assuntos que venham contribuir para uma sociedade melhor. E nesta primeira entrevista, conversamos com o comandante da CAEMA, Anacleto França, onde o major fala sobre a unidade e outros temas polêmicos ligados à segurança pública.
P: Ao completar 11 anos qual tem sido o papel da CAEMA na segurança da região?
R: A CAEMA é uma unidade especial da Polícia Militar da Bahia, atua mantendo ou restabelecendo a ordem pública em ações que fogem a rotina do policiamento, a exemplo das ações contra os crimes de trafico de drogas, roubo de cargas, roubo a instituições financeiras e em apoio ao sistema prisional, dentre outras situações. Também é uma peça importante do esforço do Governo do Estado na redução dos crimes violentos letais e intencionais, sobretudo os homicídios.
P: Qual a diferença de atuação da CAEMA para outras unidades policiais da região?
R: Policia Militar da Bahia tem como regra geral de atuação princípios do policiamento comunitário, de acordo com a diretriz do nosso Comando Geral. Diferimos das demais unidades da PM justamente na forma de atuar. Nossa missão não foca diretamente o modelo de policiamento de proximidade, somos uma força tática especial de pronto emprego.
P: Algumas pessoas estranham essa forma de atuação. A CAEMA é uma polícia violenta?
R: Violência e o de uso da força são conceitos distintos. A violência que se refere deve ser vista como algo que extrapola os limites legais e morais, compelindo alguém a fazer ou deixar de fazer algo através de mecanismos de coação. O uso da força é um conceito previsto em lei e dentro dos limites dela. Quando a usamos pode gerar essa falsa impressão de violência. No inicio isso era meio confuso para população, hoje é algo superado. Somos uma unidade policial de força. Força a serviço da lei e do bem comum.
P: De modo geral, quais as principais dificuldades enfrentadas para combater o crime?
R: Precisamos de mais prevenção. Entendo que o crime não se combate, o crime se previne, semelhante a uma doença. É uma doença da sociedade. Devemos tratar o crime e a violência como uma epidemia, ou seja, impedindo as condições que ele prolifera.
P: E como deve ser essa prevenção?
R: Há varias maneiras, mas atualmente entendo que precisamos enfrentar com urgência não são as raízes sociais e antropológicas do crime de solução demorada. Temos questões difíceis, contudo de menor complexidade para debater e solucionar em caráter de urgência. Questões ligadas à reforma das leis penais, a impunidade, a melhoria do sistema prisional, a forma de atuação das policiais e, sobretudo, estabelecer uma política nacional de prevenção do crime. Temos que o oportunizar mais espaço ao debate e para soluções concretas.
P: Mas o tema segurança tem sido bastante debatido na sociedade nos últimos anos. Ou Não?
R: O tema não. As ocorrências sim, e apenas quando ocorre um fato grave. Além do mais é comum ver pessoas falando sobre segurança publica sem estarem devidamente qualificadas para o assunto. Ocupar espaço significa necessariamente um debate claro, sereno e objetivo, definidor de estratégias de prevenção e de repressão qualificada, isso no âmbito nacional, estadual e municipal.
P: Então, na sua visão, o município também deve participar diretamente da segurança publica?
R: A segurança é dever de todos, inclusive do cidadão. O poder público municipal, seja executivo ou legislativo, tem papel fundamental nesse contexto. Devemos entender que o crime afeta primeiro o morador do município, uma comunidade, depois a todos os brasileiros no conjunto do País.
P: Como o senhor vê essa questão em Teixeira de Freitas, o município precisa participar mais da segurança?
R: Em Teixeira de Freitas a questão não é o município participar mais, é inegável que ele participa bastante. A questão é a maneira de atuar. Vejo o município ajudar no fornecimento de infraestrutura, isso é importante. Porém, outras medidas no âmbito municipal de igual importância foram tomadas no passado e descontinuadas ao longo dos anos.
P: O senhor pode citar algumas dessas medidas?
R: Posso citar, por exemplo, a questão relativa cumprimento do horário e condições de funcionamento dos bares, a fiscalização a época chamada “ronda do silencio” e a desoneração das viaturas da PM do registro de ocorrências de trânsito.
P: Essas medidas foram importantes até que ponto?
R: Quando o município exigiu o cumprimento de horário para funcionamento de bares houve um nítido reflexo positivo na segurança e na violência. Refletiu inclusive na rede de saúde. Pessoas de outras cidades buscavam informação dos resultados, queriam copiar o modelo. Mas, parou-se de fazer sem que houvesse uma avaliação. Com relação ao trânsito é de competência do município, um acidente sem vitima leva em média uma hora para registro e somente esse ano foi mais de seiscentos em Teixeira de Freitas, calcule por ai quanto tempo o policiamento deixou de cumprir sua missão de prevenir o crime.
P: Então ele atua de maneira incorreta ou precisa melhorar a estrutura municipal?
R: A cidade dispõe de uma secretaria municipal de segurança, isso é um avanço importantíssimo. Além disso, o legislativo municipal criou há vários anos um gabinete de gestão integrada de segurança pública. O fundo municipal de segurança pública, o fundo municipal antidrogas, um conselho municipal antidrogas. A tarefa agora é fazer com que esses mecanismos se desloquem com rapidez do ponto A até o ponto B.
P: O que fazer então?
R: Uma alternativa é construir um plano estabelecendo metas prioridades e indicadores de resultado contra a violência e contra o crime. Se não há um plano de direcionamento, não há estratégias e nem táticas. Não há foco. A maioria das vezes reage-se aos fatos, atuando-se sempre quando há uma crise. Não podemos viver na expectativa de que o crime e a violência irão reduzir, devemos lembrar que a esperança não é uma estratégia.
P: Com relação à redução da maioridade penal, qual sua opinião?
R:Sou a favor. A redução da idade penal é importante. No entanto, é preciso que ocorra em paralelo a outras medidas de prevenção. Em tese quem é contra a medida questiona as condições terríveis do cárcere, e isso atrapalha o debate. A redução da maioridade servirá como desestímulo a crimes graves. É uma medida de prevenção geral.
P: Mas os presídios não estão superlotados?
R: E por isso devemos continuar permitindo que crimes graves praticados por menores fiquem impunes? Estão superlotados por quem? Em Teixeira de Freitas 87% dos presidiários estão lá por crimes graves, são homicidas, estupradores, assaltantes ou traficantes. Devemos soltá-los? Penso que não. Agora, não resta dúvida que precisamos melhorar as condições dos presídios. Porém, no Brasil quando se fala nas condições péssimas das prisões a solução mais adotada é a de libertar os criminosos. Isso não é uma solução. Temos que encarar os fatos, o modelo de impunidade igual ao nosso é insuportável. O brasileiro é efeito a impunidade. Por isso insisto que temos de prevenir melhor o crime, só assim teremos menos presos.
P: O sistema não ressocializa, os presos saem pior do que entram...
R:O tema é complexo. Penso que devemos saber primeiro se quem está preso quer ser ressocializado. Uma parte considerável é possível nunca ter sido socializada. Na minha ótica o sistema prisional não tem esse propósito primário, basta uma breve análise da historia da prisão no mundo. Quem vai pra lá primeiramente vai por castigo e para ser afastado do convívio da sociedade. Mesmo porque em nenhum lugar se ressocializa cem por cento. Também, é necessário considerar que muitos dessas pessoas são recorrentes em vários outros crimes graves que não são julgados ou sequer desvendados, são contumazes, vivem do crime. Essa impunidade atua diretamente na reincidência, prejudica muito a questão. É necessário quebrar esse ciclo.
P: Qual a principal dificuldade enfrentar questão das drogas?
R:Vejo do mesmo modo, há pouquíssima prevenção contra o consumo. Se há pouca prevenção e a repressão é deficiente, o mercado da droga se fortalece; prevalece a lei da oferta e da procura. Veja, o único programa de prevenção que conheço é o PROERD, de iniciativa da Policia Militar.
P: Mas o tráfico vem crescendo rápido. Não há um modo de deter esse crescimento?
R: É preciso reduzir o consumo. O tráfico cresceu porque foi ao varejo. Hoje é difícil o provar que uma pessoa portando uma pequena porção de droga é traficante ou usuário, os criminosos sabem disso. O crime é dinâmico, a lei não. Também, devemos considerar o modelo de sociedade em que vivemos, muito baseada no consumismo, a tal ostentação. Tem pessoas preferindo aventurar-se ganhando dinheiro no tráfico a se contentar com seus salários.
P: O senhor é a favor de prender o dependente para diminuir o consumo?
R: O dependente não. Contudo, penso que o usuário recreativo precisa de uma punição severa, não sei se de prisão, porque ele estimula o tráfico. Há pessoas pregando, muitos por conveniência ou desconhecimento, que a solução é a liberação total ou que a polícia não deve prender usuário e o dependente. Desde lei 11.343 de 2006, que essas prisões são proibidas, e o que ocorreu de lá pra cá? Nos últimos dez anos dobrou o numero de usuários de cocaína. Hoje somos o maior consumidor mundial, com uma média quatro vezes maior que a do resto do mundo. Atualmente são três milhões e meio de pessoas usando cocaína no Brasil segundo a ONU, mesmo estando à produção em baixa no planeta.
P: Mas alguns países liberaram o consumo?
R: Primeiro, diferente do que dizem, houve descriminalização do consumo em alguns países como Portugal e Holanda, mas não houve liberação total. Deve ser dito ainda que houve recuo do modelo na Holanda da chamada política de redução de danos e o tráfico é proibido em ambos. Em Portugal criou-se um amplo programa de tratamento em paralelo. O Uruguai é outro exemplo, entretanto é muito recente para avaliar seus resultados.
P: Alguns afirmam que nos países de primeiro mundo o consumo de algumas drogas é liberal e há menos crimes. O senhor concorda?
R: Na Inglaterra, no Canadá, na Dinamarca e na França, por exemplo, de fato o consumo de maconha é alto e a taxa de homicídios é vinte vezes menor que a nossa. Nos Estados Unidos cerca de 40% da população adulta usa maconha e a taxa de homicídios é quatro vezes maior que nesses países citados, porque neles a baixa incidência de crimes possui outras determinantes. Logo, isso não nos leva a conclusão que o número de crimes vai cair no Brasil liberando o consumo de drogas.
P: O supremo tribunal deu o primeiro voto para liberação...
R: Essa questão a meu ver jamais poderia ser judicializada. Nem todo posicionamento do STF é o melhor posicionamento para o País; juristas devem discutir leis e não adentrar em questões de tamanha relevância social como essa. Se votarem sem ressalvas a favor da liberação do porte que apresentem em seguida soluções para evitar o aumento do trafico que explodirá.
P: Dizem que liberando o consumo as pessoas procurarão por mais tratamento. O senhor concorda?
R:Vou lhe dizer uma coisa, já teve pai me procurando para prender o filho no quartel por um tempo para ver se ele não consumia drogas, outro me pediu um par de algemas para deter o filho em casa; conheço pai que comprou drogas para o filho não ter que sair à rua. As pessoas não procuram tratamento porque não há uma política eficaz de tratamento de dependentes, veja por nossa região: você conhece algum centro de tratamento que seja referência? Muitos pais querem tratar seus filhos e somente conseguem algo com alto custo financeiro para família, essa é a realidade.
P: Então, qual a melhor maneira de enfrentar o problema?
R: Penso que não resolveremos isso com uma solução única. E sim, com um conjunto de medidas. O certo que temos é que frear o consumo urgente, atuar fortemente prevenção e tornar o narcotráfico menos lucrativo em todos os sentidos. Devemos insistir nesses dois pontos sob pena de se ter uma cracolândia em cada cidade. Quem propaga os benefícios das drogas, não propaga o mal que podem causar. É preciso encontrar nossas respostas e não simplesmente copiar modelos estrangeiros sem conhecer a fundo o tema. Se for assim devemos copiar a prisão perpetua, adotada em quase todos os países do mundo, e não no Brasil. Temos que estudar o problema até encontrarmos uma saída, para isso a sociedade deve entender que talvez seja necessário modificar vários conceitos atuais. Não se faz omeletes sem quebrar ovos.
P: Qual a mensagem que o senhor deixa para as pessoas da região?
R: Devemos acreditar que podemos fazer sempre mais e melhor. Por isso deixo uma mensagem de otimismo e comprometimento da nossa Unidade com a segurança da população, de um modo geral de toda Policia Militar da Bahia. Precisamos cuidar dos mais novos, reduzir a exposição ao crime e sobre tudo as drogas. Corrigir os erros e usá-los como exemplo no futuro. Contudo, somente teremos mais chance de sucesso criando num ambiente de respeito mútuo, preservando valores, tradições e fomentando o cumprimento da lei.
Por: Mirian Ferreira/Liberdadenews