Uma semana sem dormir e sentimentos de medo, nojo e raiva - tudo misturado. Maria do Carmo Ribeiro, 27 anos, ainda relembra o dia em que acordou com um homem estranho em cima dela, tocando sua vagina com uma mão e se masturbando com outra. O caso aconteceu no último dia 21 de janeiro, em Caraíva, distrito de Porto Seguro, no Extremo-sul baiano.
"Eu nem sei te dizer como estou me sentindo. Estou muito cansada, não consigo dormir nenhuma noite. Fico conversando com meu companheiro e meu pai, porque estou com dificuldade de dormir. Está sendo bem desgastante esse processo, mas sei que agora não é hora de descansar", diz ela, que relatou o caso nas suas redes sociais (veja na íntegra abaixo).
A jovem, que é carioca e se mudou para a Bahia há três anos, tinha voltado de uma festa e dormia quando foi vítima do índio pataxó Tacio da Conceição Bonfim. Ela garante que não vai se calar e vai lutar para que o seu agressor seja punido.
"Estou movida pelo medo, pela raiva, pelo ódio, pelo asco e pelo nojo. Só vou descansar quando souber que ele está preso preventivamente e quando as autoridades notarem a barbárie que aconteceu comigo", completa.
Tacio foi preso e autuado em flagrante por crime de importunação sexual e furto do celular da vítima. Além disso, tem o direito de responder em liberdade, caso pague fiança no valor de R$ 3.500, o que não aconteceu até a publicação desta reportagem. Ele está na 1ª Delegacia de Porto Seguro.
Para Maria, que é formada em Direito e pós-graduada em Direito Penal e Criminologia, a tipificação do crime é absurda. "Me senti muito indignada. Quando terminamos com os autos, o delegado disse que se eu tivesse dito que o agressor inseriu o dedo na minha vagina, ele teria colocado que foi estupro. Como eu não disse, classificou como importunação. Isso é uma coisa ultrapassada. Tentei argumentar, mas eu estava exausta, desassistida e muito abalada emocionalmente. Além disso, o furto é qualificado, pois aconteceu em repouso noturno", acrescenta.
O CORREIO entrou em contato com a delegacia onde o caso foi registrado para identificar quem era o delegado citado e ouvir seu posicionamento, mas com a paralisação de 48h da Polícia Civil, ele não foi encontrado.
Apesar disso, depois da repercussão do caso, Maria disse que as autoridades policiais já entraram em contato com ela para que ela preste novo depoimento ainda nesta semana, para esclarecer algumas dúvidas em relação à agressão. Isso pode fazer com que haja modificação da tipificação do crime, que pode passar a ser considerado estupro.
Entrou pelo teto
Segundo Maria, o imóvel onde ela dormia está em reforma e será usado para que ela possa trabalhar com serviços de massoterapia e astrologia. Por isso, o teto do banheiro ainda estava sem telhas.
"Eu e meu companheiro temos uma casinha no centrinho de Caraíva, mas estávamos num imóvel na Aldeia Xandó. Ele (Tacio) aproveitou que o banheiro estava sem telhado e botou uma escada encostada na parede e entrou", relata.
Como voltou da festa sozinha, Maria adormeceu na cama, por volta das 2h30. Ela não sabia que seu companheiro, com quem se relaciona há um ano, estava deitado na sala quando tudo aconteceu.
"Meu companheiro tava dormindo na sala, mas eu não sabia que ele estava em casa. Quando comecei a luta corporal com Tacio, fiquei com medo. Comecei a gritar, aí foi que meu companheiro acordou e eu soube que tinha mais alguém em casa. O suspeito fugiu em seguida".
Maria narra ainda que percebeu como o agressor entrou no imóvel quando o viu correndo em direção ao banheiro. "Na hora de fugir, ele foi em direção ao banheiro e pegou impulso no vaso sanitário. Daí pulou pelo teto e saiu. Foi quando entendi como ele entrou lá", completa.
Apoio
Maria receberá apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA). Por meio de nota, o órgão informou que, após tomar conhecimento do episódio de violência contra a carioca, a Comissão da Mulher Advogada da OAB-BA entrou em contato com a vítima e disponibilizou a conselheira seccional de Porto Seguro, Georgia Dias, para acompanhar o caso e prestar todo o suporte jurídico necessário.
O contato foi feito por Ludmila Aguiar, conselheira estadual da OAB e integrante da Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher. AO CORREIO, ela disse que a jovem será amparada.
"Tomamos conhecimento do caso pela rede social. Ela disse que estava frágil pela violência sofrida e também pela falta de suporte da própria força policial de Caraíva. Pelo que li no relato que ela fez, o caso é claramente de estupro, não de importunação. Vamos dar suporte e isso é muito importante, porque quase todas as vítimas reclamam de pouco caso e muitas ficam intimidadas até de continuar a denúncia", diz Ludmila.
A reportagem também procurou o Ministério Público Estadual, que informou que está acompanhando o caso e já entrou em contato com a vítima, mas aguarda a conclusão do inquérito para oferecer ou não denúncia.
Questionado sobre o andamento do processo, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) informou que o mesmo já foi distribuído e "está dentro do trâmite normal na unidade judiciária, concluso para despacho".
Abaixo, confira a íntegra do relato de Maria do Carmo nas redes sociais:
"Fui estuprada e não vou me calar.
Me chamo Maria, tenho 27 anos e moro em Caraíva, no extremo sul da Bahia. Às 5h30 da manhã do dia 21 de janeiro de 2020, na última terça-feira, acordei na minha cama e havia um homem em cima de mim. Suas pernas estavam sobre as minhas, uma de suas mãos estava esfregando minha vagina e com a outra ele se masturbava. Uma camisa vermelha encobria seu nariz e sua boca. Assim que me viu abrir os olhos ele continuou, como se nada tivesse acontecidon. Nunca esquecerei daqueles olhos frios e daquele corpo asqueroso sobre o meu. Não sei de onde tirei forças - comecei a bater nele e levantar. Ele se esquivava e tentava segurar meus braços, comecei a gritar e xingar. Foi aí que ouvimos meu companheiro, que eu não sabia que dormia no cômodo ao lado, despertar e perguntar o que houve. Num pulo o agressor, que agora sei que chama Tacio da Conceição Bonfim, abriu a porta do banheiro, pegou impulso no vaso e na máquina de lavar e pulou pela parte destelhada da casa.
Meu companheiro passou a procurá-lo às voltas da casas enquanto aos gritos eu lhe informava da camisa vermelha. Enquanto meu companheiro buscava voltei ao quarto e notei que havia sumido meu celular. E uma cueca e um protetor solar que ele usou como lubrificante em mim repousavam sobre a cama.
O estuprador estava escondido atrás de uma moita e fugiu na direção oposta a que fomos procurar, fato que soubemos posteriormente, através do meu vizinho que o viu atravessar seu quintal. Sem camisa. Com uma tatuagem nas costas e boné preto. Encontramos a camisa vermelha numa moita.
Passei o dia inteiro descrevendo o fato e o homem pra pessoas do vilarejo e mostrando os pertences que ele deixou pra trás. Buscamos incansavelmente por ele e pistas. À noite já sabíamos o nome de quem me estuprou - a descrição, a tatuagem, a camisa e o fato de ele ter um histórico de acusações anteriores nos levou a identificá-lo. Só faltava ele aparecer.
Na noite do dia seguinte, na certeza de que nada aconteceria, ele foi à vila e foi contido. Imediatamente me chamaram pra reconhecê-lo. Arrogantemente ele portava meu celular, com a mesma capinha e película que eu usava. Reconheci o aparelho e o homem na hora.
A polícia veio à Caraíva pra leva-lo, saímos às 1h30 da manhã e chegamos às 3h30 na delegacia de Porto Seguro, onde prestei declarações, enquanto ele ainda teve a pachorra de negar o crime. Meu celular me foi restituído e voltei pra casa. Exausta, abalada, exaurida.
À sua conduta foram imputados dois crimes: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL e FURTO SIMPLES, crimes brandos cuja pena mínima é 1 ano!!!!!!!!!
Nesse meio tempo muita gente me procurou pra dizer que há outras vítimas dele com medo de se manifestar, pq sua família é numerosa. Muitas confirmaram seu perfil agressivo e frio. Meu vizinho está com medo de depor. Mulheres estão com medo de represálias. Amigos e conhecidos que ajudaram na identificação do estuprador pediram que eu não citasse seus nomes.
A justiça, sem saber destes detalhes, concedeu a ele liberdade provisória mediante o pagamento de fiança no valor mínimo. Ou seja - se pagar 3.500 reais, Tacio, que me estuprou há menos de uma semana, vai voltar às ruas da pequena vila onde resido, oferecendo perigo para mim em especial, mas também para outras potenciais vítimas. Além disso, uma onda de denúncias vem se alastrando por aqui e + casos começaram a pipocar com minha denúncia, o que indica que a liberdade desse criminoso vai ajuda-los a se sentirem livres e protegidos pra seguir nos estuprando, violando e agredindo.
Por mim e por todas as mulheres, quero contratar um advogado para acompanhar o andamento do procedimento policial e garantir que a justiça tome conhecimento do perigo de sua soltura. Este homem precisa ser afastado e punido pelos bárbaros crimes que cometeu.
Me expor depois de tanta violência, responder ao sem fim de perguntas e passar madrugadas entre pesadelos reais e também pelos gerados por meu inconsciente abalado tem sido muito difícil.
Mas para mim seria mais difícil deixar tudo como está. Me esconder. Deixá-lo tomar as rédeas da minha vida, da minha integridade e dignidade e das minhas escolhas.
Falo isso porque preciso de proteção! Preciso de divulgação massiva! E porque quero justiça! Este e outros abusadores não podem pensar que vão seguir violando nossa dignidade, nossa integridade física e emocional, tampouco objetificando nossas vidas e corpos!
Sou mulher e mereço segurança. Mereço respeito. Mereço dormir e acordar em meu quarto sem que um homem se ache no direito de me invadir, machucar, violar.
Além disso, preciso muito da ajuda de vocês para custear gastos e honorários do advogado, porque não tenho esse dinheiro! Qualquer ajuda é bem vinda.
Conto com a ajuda de vocês. Deixem essa história ir o mais longe possível. Não deixemos mais que isso aconteça, nem na nossa amada Caraíva nem em lugar algum.
Meus dados bancários:
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Agência 0001
Conta Corrente n. 86608572-1
Maria do Carmo Ribeiro
CPF 141.964.947-73"
* A foto de Maria do Carmo foi utilizada pela reportagem com o consentimento e autorização da vítima
Fonte: Correio24h