Bahia: Mais de 240 casos confirmados, 43 internações e duas mortes. Os números oficiais da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que refletem apenas o início do avanço do novo coronavírus no estado neste pouco mais de um mês desde o primeiro caso identificado (26 de fevereiro), ainda parecem operar dentro dos limites de atendimento do sistema público e privado de saúde – dos setores mais frágeis aos mais complexos. O maior índice de infectados está na capital: Salvador concentra mais de 60% dos casos. O restante está espalhado por 31 dos 417 municípios baianos. Neste cenário, até os equipamentos básicos são cruciais na luta por salvar mais vidas.
Em estudo publicado no mês passado pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, mais de 80% das pessoas que contraem o novo coronavírus são assintomáticas ou desenvolvem apenas sintomas mais leves da doença. O grande problema reside na pequena porcentagem que evolui para estágios mais graves da Covid-19, principalmente quando todos estes indivíduos ficam doentes ao mesmo tempo, necessitando de um sistema de atendimento com tamanha robustez que exige uma demanda hospitalar superior à capacidade de atendimento.
Por causa da própria característica expansiva de uma pandemia em termos geográficos, muitos países possuem necessidades de compra semelhantes, tornando generalizada a batalha pela aquisição de equipamentos que possam dar suporte ao tratamento da síndrome respiratória aguda grave – condição que acomete os pacientes no estado crítico da doença que já causou mais de 40 mil mortes em todo o mundo. Nestes casos, a entubação e utilização de respiradores para ventilação mecânica em leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) nos hospitais são instrumentos que acabam por determinar uma maior ou menor taxa de letalidade dentre os internados.
Conforme dados atualizados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, fornecidos pela Sesab nesta quarta-feira, 1º, existem 3.284 leitos de UTI na Bahia. Destes leitos, um total de 1.815 unidades são do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto 1.469 estão ligadas ao sistema privado. Não há informações sobre quantos destes equipamentos possuem instrumentos de ventilação mecânica. A dificuldade para aquisição destes respiradores foi um dos temas da reunião do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, nesta terça-feira, 31, em que o governador do estado, Rui Costa, manifestou preocupação quanto ao cancelamento de compras pelos fornecedores diante da alta procura.
“O grande dilema hoje é a falta de respiradores. As compras estão sendo canceladas ou adiadas. Vários estados do Nordeste, a exemplo da Bahia, tiveram suas compras ou canceladas ou retidas, pois há países que baixaram decreto retendo esses equipamentos. Então, o desafio hoje é ter respirador suficiente para as unidades hospitalares. As compras que estavam para ser entregues estão sendo adiadas para abril, para maio. Tem fornecedor adiando para julho a entrega de insumos e de equipamentos, especialmente respiradores. A situação vai ganhando a cada dia contornos de uma gravidade enorme”, alertou.
Com os equipamentos até então disponíveis, a Sesab adotou a estratégia de concentrar o atendimento dos casos mais graves na capital, criando hospitais dedicados integralmente aos pacientes com coronavírus. Em entrevista ao Portal A TARDE, o secretário de saúde do estado, Fábio Vilas-Boas, informou que a previsão é de que sejam construídos mais 500 leitos de UTI com capacidade para acomodar a futura demanda, contando também com os que estão sendo contratados pela prefeitura de Salvador.
“O Hospital Couto Maia possui 100 leitos de UTI com ventilação mecânica. O Hospital Ernesto Simões tem 60 leitos. O Hospital Espanhol possui 140. Estamos montando um hospital dentro da área coberta da Arena Fonte Nova com 100 leitos de UTI e 100 enfermarias nos camarotes. Algumas unidades estão sendo contratualizadas, em Salvador e no interior do estado, como hospitais privados e filantrópicos, para poder descentralizar algumas internações que sejam realizadas em caráter de emergência. Entretanto, nesse início de casos, a estratégia é trazer todos para Salvador”, explicou.
Primeiro mês
O comportamento do avanço coronavírus na Bahia neste primeiro período pareceu favorecer que a rede pública ganhasse um pouco mais de tempo para traçar uma estratégia de preparativos para o pico da doença, diante dos desafios que uma escassez de equipamentos adequados pode causar. Conforme Vilas-Boas a expectativa era de que houvesse, no estado, uma taxa de crescimento de 33% de infectados por dia dentre os casos notificados. No entanto, esta média tem estado entre 15% e 20%. Para ele, uma das hipóteses que explica o fato é a de que o vírus afetou a classe média, média-alta e alta, com os casos importados de viagens ao exterior. “Isso ainda está preservando o estado de um crescimento mais acelerado. Nós estamos nos preparando para quando o vírus vier a entrar nos bairros mais populosos, principalmente os de Salvador”.
O recorte socioeconômico, segundo o secretário, também interferiu em ainda não terem sido observadas superlotações nos hospitais públicos por conta de casos graves de problemas respiratórios. “Nós ainda não temos uma demanda aumentada de internações por pessoas com síndrome respiratória aguda grave devido ao coronavírus ou ao H1N1. Hoje, os casos principais estão internados nos hospitais privados, pois estas pessoas possuem plano de saúde. À medida em que nós formos avançando para a população dependente do SUS, a pressão sobre os hospitais públicos, principalmente na capital e em algumas cidades do interior, vai começar a se revelar”, pontuou.
Rede privada
Sobre o aumento da demanda para atendimento ao coronavírus pela rede privada, o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), Mauro Adan, informou ao Portal A TARDE que apesar de os índices oficiais mostrarem um controle do avanço na Bahia, o cenário tem causado preocupação. No entanto, segundo ele, as instituições estão preparadas e, ao mesmo tempo, se preparando para oferecer o tratamento adequado para a Covid-19. Conforme Adan, o maior obstáculo enfrentado pelo setor tem sido lidar com o aumento vertiginoso dos valores dos equipamentos de proteção individual (EPIs).
“As nossas instituições privadas tem um quadro de pessoal muito preparado. Médicos, enfermeiros e outros profissionais. Nós temos enfrentando muita dificuldade em relação à compra dos EPIs por conta dos preços que estão sendo praticados. Há itens, como máscaras, álcool em gel, aventais, gorros, que tiveram aumento, de janeiro para março, na ordem de 400%, 500% – alguns chegando a 1.000%. Isso tem atrapalhado muito, pois tem tido pouca oferta de produto e com preços absurdos”, afirmou.
Com cerca de 200 hospitais credenciados em grande parte dos municípios baianos, o gestor apontou que as unidades privadas ainda não relataram falta de leitos para atendimento ao coronavírus. O sistema adotou a estratégia de cancelar as cirurgias eletivas, que foram suspensas em função da orientação para a prática o isolamento social. Grande parte das operações realizadas atualmente são de urgência e emergência ou para atender casos especiais indicados pelos médicos de cada instituição, juntamente com o aval do paciente.
Sem citar números dos leitos de UTI disponíveis, Adan explicou que o sistema privado conta uma rede robusta, envolvendo clínica de diagnóstico e hospitais de pequeno, médio e grande porte, com capacidade de atendimento aos acometidos pela Covid-19. “Posso garantir que, na atual situação, o número de leitos que temos é suficiente. Além disso, as instituições estão se preparando também para habilitar novos leitos, caso a doença venha a se agravar no nosso estado e em alguns municípios específicos”.
Parceria
Somando esforços para conter o avanço do novo coronavírus na Bahia, se destaca a união entre a rede de saúde pública e privada, que precisam manter estratégias conjuntas para ampliar os atendimentos para os pacientes com o novo coronavírus e, ao mesmo tempo, manter a estabilidade do sistema para amparar outras enfermidades e demandas. Neste sentido, o presidente da Ahseb cita como positivas as parcerias com o governo estadual e prefeituras municipais, como por exemplo a contratação de 13 hospitais pela Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, para disponibilizar mais leitos de UTI e de retaguarda. “Estamos completamente próximos e integrados dentro de uma perspectiva de que esta é uma responsabilidade de toda a sociedade e de todo o sistema de saúde, privado ou público”.
Fonte: Atarde