Sete anos após ter se formado em medicina pela Universidad de Ciencias Médicas de Guantánamo (UCM), Yureixy Rill Soto, de Cuba, viu no Programa Mais Médicos (PMM) uma oportunidade que deveria abraçar. “Para mim é um privilégio trabalhar no Brasil e para o bem estar da população brasileira. Sou estrangeiro e sinto isso. E imagino que os próprios brasileiros sentem aquela vontade, aquele desejo de fazer tudo de bom pela população carente do Brasil”, conta ele.

A primeira vez que Yureixy entrou no PMM foi em 2017, quando cumpriu os dois anos do contrato no interior da Bahia. Em 2019, ele voltou para Cuba, mas retornou ao Brasil no mesmo ano, para mais uma vez trabalhar pelo programa. Então veio a pandemia, e Yureixy foi para a linha de frente, realizando visitas domiciliares junto a outros profissionais do PMM. Com o arrefecimento da pandemia, o médico voltou a atender pela atenção básica, dessa vez no Subúrbio Ferroviário de Salvador, onde está hoje.

Implantado em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff (PT) e conhecido por também contratar profissionais estrangeiros, o PMM foi criado para reforçar a atenção primária de saúde no SUS em municípios remotos. Em 2019, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criou o Médicos pelo Brasil (MpB), que iria substituir gradualmente o Mais Médicos, mas com as novas regras – em especial a não intermediação de Cuba no pagamento e a exigência da revalidação do diploma –, Cuba saiu do programa e mais de 8 mil médicos cubanos foram desvinculados.

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Em março deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a volta do PMM, notícia que foi muito bem recebida por Yureixy, que afirma: o Mais Médicos é a chance de pessoas carentes que moram em cidades remotas têm de poderem ter acesso digno à saúde. “Nessas comunidades mais afastadas existe uma imensa carência de médicos, alguns lugares não têm nenhum ou o médico vai apenas uma vez na semana. É muito difícil. Então essa volta do Mais Médicos é muito importante e uma grande oportunidade”.

O governo federal retoma o Mais Médicos para o Brasil com 15 mil novas vagas. Até o final de 2023, serão 28 mil profissionais fixados em todo o país. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), o novo PMM tem como previsão abrir na Bahia 995 vagas. Atualmente, 793 vagas estão ocupadas – distribuídas em 281 municípios.

Em 2023, 332 contratos serão encerrados, o que resultará em um déficit de 534 profissionais médicos. O programa não poderia vir em melhor hora, não só para a Bahia, mas para toda a região Nordeste e Norte onde, de acordo com o estudo Demografia Médica no Brasil 2023 a região Norte tem 1,45 médicos por mil habitantes e a Nordeste 1,93, enquanto a média nacional é de 2,6 médicos a cada mil habitantes.

São muitas as vagas em localidades remotas e comunidades vulneráveis que não conseguimos preencher, aponta o diretor do Programa Mais Médicos do Estado da Bahia, Adalton Binas. “São áreas com pouca assistência, então o programa se faz bastante importante para melhorar a qualidade de atendimento, garantindo que cada pessoa tenha acesso à saúde e aos médicos. Por isso estamos muito contentes com essa retomada do PMM e a possibilidade de aumentar o número de pessoas atendidas e cuidadas”, afirma.

Mas mesmo para uma capital como Salvador o programa é importante, afirma a técnica da Atenção Primária à Saúde, Valéria Rabelo Oliveira de Freitas, pois mesmo na capital ainda há territórios vulneráveis. “A chegada dos profissionais contribuiu no cuidado e acolhimento das necessidades dos usuários no âmbito da Atenção Primária à Saúde. Então a expansão de um programa de provimentos como o PMM só traz aspectos positivos ao município, pois mesmo tendo melhorado a oferta de médicos para área da família e comunidade, ainda temos lacunas que precisam ser preenchidas”, explica.

Retrocesso 

Formado em medicina pela Universidad de Ciencias Medicas de Villa Clara (UCMVC) de Cuba, Alain López de Armas entrou no PMM em 2014, por motivos econômicos. “O meu salário seria muito maior que a remuneração do meu país de origem, mesmo que no fim nós tenhamos recebido aproximadamente apenas 25% do valor da bolsa. Em Cuba, não sabíamos o montante total que o governo receberia como intermediário, pois não havia transparência no contrato”, conta o médico.

Hoje, Alain trabalha na atenção básica, urgência e emergência pelo Médicos Pelo Brasil, em Mundo Novo (a cerca de 240 km de Salvador), e acredita que o novo PMM é um retrocesso em comparação ao MpB. “Ainda estamos aguardando o edital para mais detalhes, mas de tudo que já foi divulgado, ficou evidente que não haverá garantia de fixação dos profissionais e, consequentemente, não resolverá a longo prazo os problemas na atenção básica. O tempo de vínculo passou de três para quatro anos e pode ser prorrogado, mas sempre como bolsista, sem CLT. Serão oito anos como bolsista, mas e depois?”, questiona.

Hoje, o Médicos Pelo Brasil oferece permanência indefinida, com vínculo CLT e plano de carreira com incentivo para permanência, explica Alain. “Um bom benefício anunciado pelo novo Mais Médicos são os descontos para os que foram formados pelo FIES, mas continua sendo um benefício temporário. Na minha opinião como profissional, o Mais Médicos vai ser um vínculo transitório que os médicos vão procurar até se especializarem ou conseguirem outro emprego. Enquanto o Médicos Pelo Brasil pode ser opção de carreira na atenção básica”, afirma.

Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 2020, o clínico geral Vitor Daniel Vieira Zuba entrou no PMM durante a pandemia. Hoje, ainda pelo PMM, ele trabalha na atenção básica em Nazaré das Farinhas (cerca de 80km de Salvador) e conta que uma das grandes vantagens do programa é a segurança de um emprego em que o médico tem uma remuneração em dia garantida, pois um grande problema hoje na saúde pública é o não pagamento em dia. Ou mesmo calotes na rede privada.

Vitor aponta que é muito importante que o programa continue provendo assistência à população mais carente de regiões afastadas, mas assim como Alain, acha que o novo formato vai contra as boas ideias no MpB. “Principalmente quanto à oportunidade de ter um plano de carreira, o que não é oferecido no PMM. Um médico que tem um plano de carreira e estabilidade de emprego, certamente irá se fixar no município e continuar atuando neste local. O que é muito importante, pois um dos fundamentos de saúde e família é criar este vínculo com a comunidade para explorar a fundo as demandas da população atendida pela unidade de saúde”, explica o médico.

Fonte: Atarde

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