Para Lara Facioli, professora da Universidade Federal do Rio Grande, é possível que haja uma mudança de comportamento como ocorreu com o aparecimento da Aids.

“Oito ou oitenta.” É assim que a advogada Gabriela (ela prefere não dar o sobrenome), 25 anos, descreve a sua libido durante o isolamento social. Por causa do confinamento, a advogada não tem tido contato físico com o namorado, que mora em casa separada.

“Estou numa montanha-russa de sentimentos. Nesse momento, por exemplo, minha libido está muito mais seletiva diante da pandemia”, diz Gabriela, que alterna dias sem interesse sexual e outros em que ela relata necessidade de autocontrole para não sair do isolamento e visitar o namorado.

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A socióloga Lara Facioli, professora da Universidade Federal do Rio Grande (RS), diz que o ambiente da pandemia do novo coronavírus é consonante com a descrição de "montanha-russa" feita por Gabriela.

"O fato de que a sexualidade é afetada pela quarentena não pode ser generalizada. Nós temos, por um lado, relatos de diminuição da libido com queda da autoestima, irritação e desgaste pela convivência com a família no mesmo espaço, variações de humor, aumento do medo e da ansiedade", diz.

"Por outro lado, também há inúmeros relatos sobre aumento da masturbação, de consumo de pornografia e de exposição de si na rede. Essas diferenças variam de acordo com nossa experiência social e subjetiva da pandemia."

Facioli diz que a obrigação social de evitar o contato físico não faz desaparecer as necessidades afetivas e sexuais. "Como vamos lidar com isso eticamente e de forma coletiva é um desafio constante que permanecerá entre nós por bastante tempo.”

A socióloga afirma que, a exemplo do aparecimento da Aids nos anos 1980, a atual pandemia provocará mudanças no modo como nos relacionamos sexualmente.

“No início do boom de contágio do HIV, não sabíamos exatamente como a doença se transmitia. Foram anos de processos de higienização que alteraram nossas práticas sexuais cotidianas”

“É possível que tenhamos um contexto mais grave do que houve com a epidemia de Aids, já que com o coronavírus o contágio se dá de outra forma e dependemos de uma ampla produção de vacinas para que haja imunidade, além de políticas públicas de cuidado coletivo.”

Até o momento, não há comprovação de que o coronavírus seja transmitido pelo sexo, já que ele não foi encontrado em fluidos vaginais nem no sêmen. Mas pode ser transmitido pela saliva e a proximidade dos corpos pode ocasionar situações de transmissão.

Pandemia e ética sexual

A flexibilidade do isolamento social, que já ocorre em alguns países, vai impor algumas questões éticas na arena sexual. “As pessoas serão projetadas para o encontro novamente. É aí que teremos um sexo atravessado por muitas novas negociações, como exemplo, com quem transar, como fazer, quais estratégias utilizar para se proteger”, afirma Facioli.

O coronavírus poderá também, nas palavras da socióloga, trazer à tona preconceitos e valorizar discursos moralistas, como ocorreu na explosão da Aids. Podem aparecer "novos estigmas sobre grupos sociais, como profissionais da saúde, chineses e solteiros, além de retomar discursos que romantizam a esfera da casa e da família, por exemplo”.

"Estamos criando um aparato de vigilância sobre os corpos que faz voltar os discursos sobre promiscuidade e os pânicos morais. Os solteiros tendem a ser socialmente julgados e colocados como grupo de contágio em relação aos casados que, em tese, estariam mais protegidos pela esfera do casamento e da família", explica a professora, defendendo que é preciso vigilância para não transformar o coronavírus em uma "doença moral, que responsabiliza os indivíduos e isenta a responsabilidade dos governos."

Aumento do consumo de pornografia

O consumo de pornografia on-line também aumentou com a pandemia de coronavírus: segundo o site de conteúdo pornô Brasileirinhas, em março o número de assinaturas por dia teve aumento de 50%.

O Pornhub, maior site pornô do mundo, diz que registrou significativo aumento de tráfego. O número de acessos ao portal começou a aumentar no dia 1º de março. No dia 25 de março, a alta diária chegou a 24,4%. Em abril, as visitas diárias aumentaram entre 10% e 17%.

Quando perguntada se o maior consumo de pornografia será saudável ou prejudicial à nossa sexualidade, Facioli lembra que existem vários tipos de pornografia e isso dependerá do conteúdo que consumimos.

Se por um lado existem conteúdos adultos focados na violência e humilhação do corpo da mulher, por outro “também existe material pornográfico que problematiza os corpos e as desigualdades de gênero apresentados na pornografia convencional”, diz a professora.

Mercado erótico

Uma pesquisa publicada nesta quinta-feira (19) pela Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme) mostrou que, de março à metade de maio, as vendas de produtos eróticos aumentaram 4,12% em relação ao mesmo período do ano passado. Se considerarmos somente os vibradores e consolos, o aumento foi de 50% (mais de 1 milhão de vibradores vendidos em dois meses).

Para aproveitar o aumento do interesse do brasileiro por produtos de sex shop durante o isolamento social, a Abeme informou que os lojistas têm oferecido grupos de apoio sexual no WhatsApp e lives com terapeutas sexuais que dão dicas de masturbação, sexo durante a quarentena, sexo virtual, grupos de swing (troca de casais) on-line e até de como decorar a casa como um motel.

Tais números demonstram que a pandemia está alterando a maneira como lidamos com o sexo, substituindo o contato físico por ferramentas físicas e virtuais que nos permitem “vivenciar a sexualidade”, explica Facioli.

“O momento nos faz pensar o que vamos construir daqui para frente em muitos aspectos da vida social. A sexualidade é um debate que deve estar em pauta”, defende a socióloga, explicando que discutir sexo e sexualidade é uma oportunidade de pensar sobre ética, afeto, relações de gênero e até violência no pós-pandemia.

Facioli explica que tendemos a associar o sexo na vida real com imagens e discursos pornográficos que consumimos no cotidiano. “É comum, por exemplo, em aplicativos de busca de parceiros para homens, categorias utilizadas na pornografia para qualificar o tipo físico das pessoas ali apresentadas”, explica a socióloga.

Logo, maior tempo de exposição à pornografia e o menor contato físico poderão alterar o que entendemos por sexo.

Fonte: G1

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