Dunga, técnico da Seleção. Suas explosões de raiva durante e após os jogos marcaram a semana
O futebol serve muitas vezes de metáfora para a vida, e na Copa do Mundo, maior evento desse esporte, não faltam lições que podem ser aplicadas ao cotidiano de qualquer pessoa. No Mundial deste ano, uma dessas lições é a importância do autocontrole para obter sucesso em situações-limite. A Copa da África do Sul poderia ser apelidada de a Copa do estresse. Jogadores brigam com jogadores. Jogadores brigam com treinadores. Treinadores brigam com a imprensa. Jogadores brigam com a imprensa.
Craques normalmente controlados, como Kaká, perderam a fleugma e foram expulsos; seleções favoritas, como a França, sucumbiram de maneira ignominiosa, perdidas em picuinhas internas. Encerrada a primeira fase da competição, aquelas equipes que souberam dominar melhor as emoções eram as 16 ainda com chances de conquistar o título no dia 11 de julho, no estádio de Soccer City, em Johannesburgo.
A débâcle mais espetacular foi da França, eliminada na primeira fase com duas derrotas (0 a 2 para o México e 1 a 2 para a África do Sul) e um empate (0 a 0 com o Uruguai). Esses resultados em si já seriam um vexame, mas a forma como o time se desfez foi inédita. Já desembarcara na Copa envolto em controvérsias: classificou-se com um lance irregular contra a Irlanda, em que o atacante Thierry Henry dominou a bola com a mão; indignou a opinião pública ao escolher um ostentatório cinco estrelas como hospedagem; e virou manchete de jornais sensacionalistas quando alguns jogadores se envolveram com uma menor de idade.
As coisas só pioraram na curta estadia na África do Sul. Os jogadores se dividiram em panelinhas. Não respeitavam a autoridade do técnico, o polêmico Raymond Domenech, conhecido por incluir o horóscopo entre seus critérios de convocação. No intervalo da partida contra o México, o atacante Nicolas Anelka virou-se para Domenech e disse em francês estas palavras intraduzíveis: “Va te faire enculer, sale fils de pute!”. Domenech tirou-o do time, o México fez dois gols e o ambiente se tornou intolerável. Em solidariedade a Anelka, os jogadores se recusaram a treinar depois da derrota; alguns ameaçaram não entrar em campo na partida seguinte. O incidente chegou à cúpula do poder. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, enviou a ministra dos Esportes para acalmar a situação (inutilmente) e convocou Thierry Henry a uma audiência no Palácio do Eliseu, para esclarecer o que aconteceu nos bastidores. Na imprensa francesa, houve quem comparasse a derrota inglória à capitulação diante das tropas alemãs na Segunda Guerra Mundial, há exatos 70 anos.
É a Copa da briga. Na seleção inglesa, o zagueiro John Terry criticou publicamente seu técnico, o italiano Fabio Capello. Teve de pedir desculpas para abafar a crise. Descontente com um artigo, o atacante argelino Rafik Saïfi deu um tapa em uma repórter de seu país, Asma Halimi, depois que a Argélia foi eliminada da competição (a repórter revidou e apresentou uma queixa à Fifa). Vexado com uma pergunta, o técnico da Eslováquia, Vladimir Weiss, abandonou uma entrevista à imprensa um minuto depois de entrar na sala. Chegou a ameaçar bater em um repórter.
Mas a briga que mais chamou a atenção dos brasileiros, nesta Copa, foi o cabo de guerra entre Dunga e a imprensa nacional. Desde que chegou à África do Sul, o técnico da Seleção Brasileira restringiu progressivamente o acesso dos jornalistas aos jogadores, fechando treinos e vetando pedidos de entrevista. Diz que precisa da tranquilidade que a Seleção não teve em 2006, quando era favorita e foi eliminada pela França nas quartas de final. O fechamento culminou no incidente em que um microfone captou-o sussurrando palavrões dirigidos ao jornalista Alex Escobar, da TV Globo. Minutos antes, Dunga negara a Escobar a oportunidade de falar, dentro das regras da Fifa, com alguns jogadores, à saída do campo, após a vitória por 3 a 1 sobre a Costa do Marfim.
Quatro dias mais tarde, o técnico desculpou-se “ao torcedor brasileiro” (note-se: não ao jornalista) pelo destempero. Não chegou a atribuí-lo a problemas pessoais, mas, ao responder a uma pergunta sobre a saúde do pai, Edelceu (que tem 71 anos e sofre de Alzheimer), deixou transparecer que o drama familiar o afeta. “Para mim é só mais uma oportunidade de mostrar para meu pai tudo o que ele me ensinou.” Falando pausadamente, com o olhar mais enternecido que de costume, Dunga resumiu os ensinamentos paternos. “Homem para ser homem tem de ter virtude. Tem de ter posição. Tem de ter coerência. Tem de ter dignidade. Tem de ter transparência. E tem de saber pedir desculpas quando erra.”
Em mais de uma ocasião, Dunga insinuou que usa a raiva como uma arma. “A adversidade só vai fazer com que a gente cresça”, diz. Criar um clima de animosidade entre o time e a imprensa parece estar contaminando o grupo. A cada entrevista os jogadores soam mais irreverentes com os jornalistas. Felipe Melo e Julio César deram respostas irônicas. Até o normalmente sereno Kaká mudou de comportamento. Acusou o jornalista Juca Kfouri de não respeitar sua religiosidade.
Se a estratégia de Dunga está certa ou não, só os próximos jogos dirão. Na partida contra a Costa do Marfim, Kaká parecia mais nervoso que o habitual. Irritou-se com alguns lances violentos do adversário e acabou expulso de campo por ter tomado dois cartões amarelos nos minutos finais. A expulsão foi injusta – Kaká foi vítima, não causador do incidente que lhe valeu o segundo cartão –, mas seu comportamento irrequieto não arranjou as coisas. Dunga garante que sempre pede calma aos comandados. “Uma coisa que a gente tem repetido constantemente, desde as eliminatórias, é que nós temos de começar (os jogos) com 11 (jogadores) e terminar com 11.”