A participação do presidente brasileiro na reunião sobre mudança climática foi assunto dos principais veículos do mundo. Em sua maioria, as análises destacam a disparidade entre o discurso e a prática.
O evento, organizado pelo presidente americano, Joe Biden, tem como objetivo retomar a participação dos Estados Unidos nas discussões sobre as mudanças climáticas.
Na abertura, líderes de várias partes do mundo falaram sobre as ações que estão tomando para lidar com essa ameaça ao futuro do planeta.
Bolsonaro foi o 19º líder a discursar. Em pouco mais de três minutos, o presidente confirmou que até 2050 o Brasil vai alcançar a neutralidade climática, com redução drástica das emissões de gases causadores do efeito estufa e com a adoção de medidas ambientais que compensem esse estrago.
Outro ponto que chamou atenção na fala de Bolsonaro foi a promessa de que o país acabará com o desmatamento ilegal nos próximos nove anos.
"Destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data", disse.
Na imprensa internacional, o tom do discurso de Bolsonaro foi classificado como "moderado".
Vários veículos, porém, reagiram com ceticismo às promessas do presidente brasileiro.
Sem aliados, resta a conciliação
O jornal americano The Washington Post destacou que Bolsonaro era um dos principais aliados do ex-presidente americano Donald Trump e chegou até a ameaçar tirar o Brasil do Acordo de Paris, a exemplo do que fizeram os Estados Unidos na gestão anterior.
"Bolsonaro ofereceu um tom mais conciliatório à administração de Biden nesta quinta-feira. [...] As promessas do líder brasileiro foram recebidas com grande ceticismo por muitos especialistas, que observam que as ações anteriores [de Bolsonaro] para proteger a floresta resultaram em pouco progresso e o desmatamento aumentou desde que ele assumiu o cargo em 2019."
O jornal francês Le Monde fez uma análise que segue a mesma linha: "Até o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que era bastante próximo a Donald Trump e que é um pouco mais distante de Joe Biden, prometeu acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, apesar do ceticismo dos observadores".
Em sua cobertura sobre a Cúpula do Clima, o Financial Times salientou que o Brasil está isolado:
"Muitos permanecem profundamente céticos sobre se Bolsonaro está genuinamente comprometido com a proteção do meio ambiente. Alguns analistas, porém, apontam que o país latino-americano ficou isolado no assunto desde a saída de Donald Trump da Casa Branca."
O argentino La Nación destacou que Bolsonaro corre o risco de se transformar numa "moléstia se não se adaptar à agenda da ambiental da mudança climática":
"Aliado do ex-presidente Donald Trump e eleito com um discurso contrário às entidades ambientalistas e às reservas indígenas amazônicas, e a favor da mineração na selva Sul-Americana, Bolsonaro corre o risco de converter-se numa moléstia se não se adaptar à agenda ambiental da mudança climática."
O veículo ainda chama a atenção para Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente:
"Salles ficou famoso por dizer durante uma reunião de gabinete que se poderia aproveitar a pandemia do coronavírus e a distração midiática para abrandar a legislação ambiental e permitir o avanço do agronegócio e da mineração. Na semana passada, ele foi denunciado por colaborar com o desmatamento por um investigador da Polícia Federal do Amazonas, que foi demitido na sequência".
'Direito ao desenvolvimento'
No Reino Unido, a BBC deu enfoque a um outro trecho do discurso de Bolsonaro, que retratou o Brasil como uma potência agroambiental e um protagonista do que ele chamou de "revolução verde".
"Bolsonaro tem atraído muita atenção como presidente por suas políticas ambientais, especialmente na Floresta Amazônica, e por sua resistência às metas climáticas do país. O mandatário brasileiro insiste que os órgãos ambientais se fortaleceram e defende 'o direito ao desenvolvimento' no Brasil e em outros países".
Na sua versão em espanhol, o El País classificou Bolsonaro como um "presidente muito controverso" e lembrou das pretensões do governo brasileiro em contar com a ajuda financeira internacional:
"Biden não renunciou em convidar alguns presidentes muito controversos, como o brasileiro Jair Bolsonaro. Esse mandatário assegurou que colocará em marcha um plano para acabar com o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030 — ainda que esse problema tenha disparado durante o seu mandato. Paralelamente, Bolsonaro não ocultou suas intenções de que a comunidade internacional o compense economicamente por manter a salvo o grande pulmão do planeta".
'Mudança de tom'
A agência de notícias Associated Press percebeu uma moderação no discurso do presidente brasileiro e relacionou a mudança à pressão interna e externa que o governo vêm sofrendo:
"O discurso mostra que a administração Bolsonaro percebeu que precisa ao menos começar a dialogar em face à pressão doméstica e internacional. [...] Semana passada, um grupo de 15 senadores americanos escreveu uma carta a Biden reclamando dos recordes ambientais negativos de Bolsonaro e pedindo que os Estados Unidos condicione qualquer apoio à proteção da Amazônia a um progresso significativo na redução do desmatamento".
O jornal americano The New York Times apontou que o discurso de Bolsonaro foi visto com "extremo ceticismo", apesar da mudança de tom:
"O presidente Jair Bolsonaro, do Brasil, anunciou que o país vai acabar com o desmatamento ilegal até 2030. Essa promessa foi encarada com extremo ceticismo pela comunidade ambiental que tem acompanhado como a destruição da Amazônia explodiu durante seu mandato".
O jornal também fez um paralelo do discurso com a realidade das políticas ambientais brasileiras:
"Terminar com o desmatamento até 2030, discursou Bolsonaro, reduziria as emissões de carbono do Brasil em 50%. Apesar de ter enfraquecido significativamente as agências de fiscalização ambiental de seu país, Bolsonaro prometeu que elas serão fortalecidas".
Pouco destaque
Em seu site, a rede de televisão americana CNN observou como o Brasil passou de protagonista a coadjuvante no debate ambiental:
"Tradicionalmente um dos primeiros países a discursar em eventos sobre mudança climática, o Brasil foi um dos últimos a falar desta vez. As palavras de Bolsonaro estiveram alinhadas com uma carta que ele enviou ao presidente Biden na semana passada, em que ele já prometia acabar com o desmatamento até 2030 no Brasil".
"Apesar do discurso de Bolsonaro, o desmatamento no Brasil continua a crescer. Agências ambientais como o Ibama e a ICMBio enfrentam a falta de recursos e profissionais, com militares em posições técnicas e com menos autoridade para supervisionar os trabalhos."
Em seu site em português, o canal alemão Deutsche Welle comparou o discurso de Bolsonaro com o que foi dito por outros mandatários internacionais:
"Em contraste com outros líderes que abriram seus discursos com planos para reduzir emissões ou falando sobre a importância de combater as mudanças climáticas, Bolsonaro iniciou sua fala defendendo o que, na sua visão, são pontos fortes do Brasil na área ambiental, afirmando, por exemplo, que 84% da Amazônia estão preservados".
Expectativa prévia
Antes da reunião, vários veículos já haviam publicado artigos e reportagens sobre a frágil posição do governo brasileiro em relação às políticas globais de preservação do meio ambiente.
Num texto escrito ao The Guardian, os ex-ministros do meio ambiente Rubens Ricupero e Marina Silva disseram que "os bilhões de Biden não farão Bolsonaro parar de destruir a Amazônia".
Ricupero e Silva classificam Bolsonaro como "um cético da mudança climática" e entendem que não há investimento que resolva a destruição do meio ambiente no país no atual contexto: "Nosso alerta é baseado no seguinte fato: o desmatamento da Amazônia Brasileira não é resultado da falta de dinheiro, mas é uma consequência do descuido deliberado do governo".
Numa reportagem, a revista americana Time questiona se é possível confiar em Bolsonaro e em suas políticas ambientais:
"Desde que assumiu o cargo em 2019, Bolsonaro destruiu os orçamentos das agências ambientais e tentou afrouxar as regulamentações ambientais para tornar mais fácil para as empresas explorarem a terra, enquanto demitia e insultava líderes estrangeiros que tentavam intervir. Ativistas ambientais dizem que suas ações criaram impunidade para madeireiros, mineradores e pequenos agricultores que cortam e queimam árvores ilegalmente para usar terras na Amazônia e outras áreas protegidas, reacendendo um problema que governos anteriores haviam controlado".
Numa reportagem publicada na quarta-feira (21), o Wall Street Journal também já destacava os pedidos brasileiros para ajuda financeira americana para preservar a Amazônia:
"O governo do Brasil, amplamente criticado por grupos ambientalistas como um administrador negligente da Floresta Amazônica, fez uma oferta audaciosa ao governo Biden: forneça US $ 1 bilhão e o governo do presidente Jair Bolsonaro reduzirá o desmatamento em 40%. A proposta foi feita enquanto o presidente brasileiro se preparava para uma cúpula ambiental virtual com cerca de 40 chefes de estado, patrocinada pelo presidente Biden, que fez do combate às mudanças climáticas uma peça central de sua administração. Governos e ativistas europeus expressaram publicamente sua desconfiança com as propostas de Bolsonaro sobre o meio ambiente porque ele cortou fundos para agências de proteção ambiental em meio a um aumento no desmatamento".
Fonte: G1