Em meio ao avanço do processo de privatização da Eletrobras e dos Correios, como ficam os funcionários que ingressaram nas estatais por meio de concursos públicos? Eles podem ser demitidos?
A medida provisória que viabiliza a privatização da Eletrobras foi sancionada com vetos pelo presidente Jair Bolsonaro. O governo planeja vender ações da estatal na Bolsa. Hoje, ele detém 60% desses papéis, e o objetivo é ficar com 45%. A expectativa é que a venda do controle acionário da estatal possa render R$ 100 bilhões aos cofres públicos.
No caso dos Correios, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, disse que o plano do governo é vender 100% do capital da estatal para um único comprador. O projeto de privatização ainda não tem parecer pronto e a votação na Câmara deve ocorrer até o fim de agosto.
Enquanto as privatizações não são efetivadas, as estatais vêm enxugando o quadro de funcionários por meio de programas de demissão voluntária (PDVs).
Um dos principais motivos de quem presta concurso público é justamente a estabilidade no cargo. Entenda o que acontece nas empresas públicas que podem ser vendidas para o setor privado.
Veja abaixo o tira-dúvidas com o advogado Agnaldo Bastos, especializado em direito administrativo e atuante em causas envolvendo concursos e servidores públicos.
O funcionário de uma estatal é contratado pelo regime celetista, ou seja, com registro em carteira de trabalho. Assim, não tem a mesma estabilidade que um servidor público do regime estatutário, que atua em órgãos da administração federal direta, como ministérios.
Com isso, após a estatal ser privatizada, o governo não controla mais as regras nem os rumos que serão tomados pela companhia que adquiriu a estatal. Então, é possível que o novo dono tome as seguintes ações:
- não fazer nenhuma alteração;
- transferir os profissionais para departamentos da outra companhia;
- promover ou rebaixar os cargos (desde que respeitadas as leis trabalhistas);
- demitir todos ou a maioria dos profissionais e contratar uma nova equipe, sem precisar se justificar.
O último caso é extremo e não é comum, mas pode acontecer, segundo Bastos. Mesmo no caso de empresas privadas que adquirem outras, ou nas fusões de companhias, é possível que aconteçam demissões porque há sobreposição de profissionais.
"Ou seja, na empresa que fez a aquisição já existe uma equipe que dá conta de absorver toda a operação da empresa que foi comprada. Isso é mais comum acontecer em departamentos como financeiro, contábil e de pessoal", diz.
Também é possível que a empresa compradora leve os profissionais da antiga empresa para os departamentos já existentes, integrando as equipes para dar continuidade à operação.
Mesmo com a privatização, os funcionários continuam com os mesmos direitos que estão garantidos na CLT e outros que já estavam pré-estabelecidos durante o tempo em que o governo era o proprietário.
Assim, estão mantidos os direitos como férias remuneradas, 13° salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, repouso semanal remunerado, pagamento de horas extras, adicional noturno e de periculosidade, licença maternidade, entre outros.
Já os demais benefícios que não fazem parte da CLT, como vale-alimentação, plano de saúde e outros, só podem ser alterados após negociação com o sindicato da categoria.
As empresas públicas fazem parte da administração pública indireta. Assim, apesar de existir o concurso público, os profissionais são contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
É aqui que se encaixa o conhecido regime celetista, justamente por haver o registro na carteira de trabalho. Diferente de quem trabalha em um órgão do governo, em que é aplicado o regime estatutário.
Em relação à demissão no regime estatutário, é preciso haver uma falta grave por parte do servidor e a condenação em processo administrativo disciplinar.
Por isso, a estabilidade é garantida no regime estatutário, mas só após o servidor passar pelos 3 anos do estágio probatório, período em que o seu desempenho é avaliado.
Já no regime celetista, a contratação pela CLT permite maior flexibilidade na demissão, seja em empresas públicas ou de economia mista. Mesmo assim, é preciso seguir algumas regras e haver justificativa para a demissão.
Dentro das estatais estão as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Ambas compõem a administração pública indireta.
A empresa pública é uma empresa criada e controlada apenas pelo governo. Em geral, funciona igual a uma empresa privada, porém, ainda precisa seguir algumas regras da administração pública.
A empresa pública deve ser criada por lei para atuar em um atividade econômica ou de prestação de serviços públicos. É comum que esse tipo de empresa seja fundada para administrar recursos estratégicos do país, garantindo que a população tenha acesso a eles.
No entanto, a exploração de atividade econômica pelo Estado só é permitida quando há motivos de segurança nacional envolvidos ou haja relevante interesse coletivo. Logo, as empresas públicas somente podem ser criadas visando resguardar o interesse público.
A Caixa Econômica Federal é um exemplo de empresa pública e centraliza as operações relativas ao FGTS, PIS e Bolsa-Família, além de ser responsável pelas operações dos jogos lotéricos.
Outros exemplos de empresas públicas federais são os Correios, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que administra hospitais universitários federais.
Já a sociedade de economia mista é uma sociedade anônima (S.A.), em que as ações são compartilhadas entre o Estado e o mercado, sendo o Estado o maior detentor das ações com direito a voto.
Assim, o capital misto é a principal característica da sociedade de economia mista, que se contrapõe à empresa pública (empresa em que o capital é exclusivo da União).
A privatização de uma empresa pública é um processo muito longo e complexo. Além disso, existem muitos conflitos de interesse entre o governo e o Legislativo. Mesmo assim, a venda de uma estatal atrai a atenção do mercado financeiro e de grandes investidores.
De início, o governo faz uma avaliação sobre a situação operacional e financeira da empresa pública. Inclusive, pode contratar entidades externas para apoiar nessa análise.
Após concluir essa avaliação, o governo realizará um estudo de viabilidade de venda da empresa. Também, se isso não irá prejudicar o cidadão, afinal, as estatais desempenham serviços essenciais para a sociedade.
Depois, precisa enviar para o poder Legislativo (que é o Congresso Nacional) um projeto de lei com a proposta de privatização da estatal.
Somente com a aprovação do Legislativo é que o processo de privatização poderá prosseguir. O governo sanciona a autorização de venda e, se não houver problemas ou contestações judiciais, é dada sequência à venda.
Em geral, essa venda é feita em leilões públicos, em que o governo define todas as regras. Assim, pode vender a empresa para uma única companhia, um consórcio ou pode repartir a empresa, entre outras possibilidades.
Fonte: G1